sexta-feira, novembro 14, 2008

sem pés nem cabeça

(...)
Cabeça, pés, rapsódia,
Mscelânea para três,
E esta, só por paródia,
Vai sem cabeça nem pés.


Ó lua que vais tão alta
Ó minha mãe minha amada
Cabelo branco é saudade
Era já noite cerrada.
Cabelo branco é saudade
Era já noite cerrada.


Espinafres, rabanetes,
Tubarões e carapaus,
Fogo de vista, foguetes
E um cortejo de lacraus.
Os tempos estão muito maus,
Acende a luz na ribalta,
P'ra morrer já pouco falta,
Quem é que quer ler a sina?
Toma lá penicilina,
Ó lua que vais tão alta.
Toma lá penicilina,
Ó lua que vais tão alta.


Sou um poeta de fama,
Poeta das violetas,
Escrevo os meus versos à lã,
Inspiro-me nas valetas.
ninguém me faça caretas,
Ai que rica marmelada,
Tomates para a salada,
Os burros não são cavalos,
Dê-me pomada p'rós calos!
Ó minha mãe, minha amada.
Dê-me pomada p'rós calos!
Ó minha mãe, minha amada.


Três vezes nove vinte sete,
Ai que moças tão bonitas,
Vira a folha ao canivete,
Fá fitas muito esquisitas.
Mas que chusma de parasitas,
Anda aí pela cidade,
Sou maluco, isso é verdade,
Mas tenho aqui meia leca,
Na cabeça de um careca,
Cabelo branco é saudade.
Na cabeça de um careca,
Cabelo branco é saudade.

Andas no rigor da moda,
Ai que giro que isto é,
Sexta-feira é que anda à roda,
Quem me compra o burrié.
Dói-me o calcanhar do pé,
Os mudos não dizem nada,
Maria, traz cá a escada!
E um garrafão de aguardente,
Nascia o sol no poente,
Era já noite cerrada.
Nascia o sol no poente,
Era já noite cerrada.


Irmãos Catita in Mundo Catita, 2001

terça-feira, novembro 11, 2008


Tudo o que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço -

Um mar onde boiam lentos
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos?
Não sei e sei-o bem.


Fernando Pessoa in Cancioneiro, 13/09/1933