quinta-feira, dezembro 06, 2007

regresso ao lar

Ai, há quanto tempo que eu parti chorando
Deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há Trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas para eu me lembrar!...

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida!...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh! a ingénua alma tao desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida,
Canta-me cantigas de me adormentar!...

Trago d'amargura o coração desfeito...
Vê que fundas magoas no embaciado olhar!
Nunca ele sairá do meu ninho estreiti!...
Minha velha ama que me deste o peito,
Canta-me cantigas para me embalar!...

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
Pedrarias de astros, gemas de luar...
Todos me roubaram, vê, pelo caminho!
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!

Como antigamente, no regaço amado,
(Venho morto, morto!...) deixa-me deitar!
Ai, o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-me cantigas de dormir, sonhar!...

Canta-me cantigas, manso, muito manso...
Tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
Que minh'alma durma, tenha paz, descanso,
Quando a morte, em breve, ma vier buscar!...


Guerra Junqueiro, Os Simples, 1892

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