
Deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há Trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas para eu me lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida!...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh! a ingénua alma tao desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida,
Canta-me cantigas de me adormentar!...
Trago d'amargura o coração desfeito...
Vê que fundas magoas no embaciado olhar!
Nunca ele sairá do meu ninho estreiti!...
Minha velha ama que me deste o peito,
Canta-me cantigas para me embalar!...
Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
Pedrarias de astros, gemas de luar...
Todos me roubaram, vê, pelo caminho!
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!
Como antigamente, no regaço amado,
(Venho morto, morto!...) deixa-me deitar!
Ai, o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-me cantigas de dormir, sonhar!...
Canta-me cantigas, manso, muito manso...
Tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
Que minh'alma durma, tenha paz, descanso,
Quando a morte, em breve, ma vier buscar!...
Guerra Junqueiro, Os Simples, 1892